O CHAPARRAL
A memória é uma coisa interessante, e inexplicável. Totalmente rebelde, ela escolhe alguns momentos para marcar permanentemente, ao seu bel prazer, enquanto outros, às vezes bem mais importantes, são apagados. Já esses momentos que a memória decide guardar nos acompanham por toda a vida, sempre deixando a impressão de que acabaram de acontecer.
Um desses momentos que ficaram marcados na minha memória é de 1976. Na televisão se sucedem as caras feias dos candidatos às eleições daquele ano (vigorava a lei Falcão e somente os rostos, nomes e números dos candidatos podiam ser apresentados, pelo menos nossos ouvidos eram poupados...). Eu, com seis anos, assistia àquilo sem entender nada, mas com muita raiva, pois aquela sucessão de gente feia na TV estava atrasando a apresentação do episódio do Chaparral daquela noite. Pronto, a lembrança acaba aí, não lembro nem qual foi o episódio que passou. Mas este momento específico está gravado como se tivesse ocorrido ontem.
Lembro que eu gostava muito da série Chaparral, não perdia episódio, e fiquei muito feliz numa manhã de 25 de dezembro, quando encontrei uma caixa do Chaparral da Gulliver na sala de casa.
Como já escrevi em outros textos, conhecia os brinquedos da Gulliver desde que nasci e, na minha cabeça de criança, aqueles brinquedos haviam existido desde sempre, e também existiriam para sempre. Mas eis que 1979 foi o último ano em que foram feitos, dali para a frente nunca mais seriam os mesmos. Foi um choque quando passei a não encontrá-los mais nas lojas. Mas alguns anos se passaram e lá por 1983 eu estava passando férias em Camboriú com minha avó quando encontrei em uma loja uma caixa do último Chaparral produzido (o de 1979). A partir dali transformei as férias da minha avó num inferno, pedindo, implorando, mas infelizmente ela não tinha dinheiro para comprar. Eu andava pelas ruas procurando dinheiro perdido, mas não encontrei nada. Passei uns 20 dias na praia olhando para aquela caixa, mas não a ganhei. Até hoje passo pela frente do local (já passaram várias lojas naquele endereço) e olho lá para dentro...
Confesso aos leitores que nunca gostei muito de Bonanza (uma questão de gosto, sei que muitos gostam da série). Quando começaram a lançar séries antigas em DVD eu comprei várias caixas de Bonanza e confirmei – acho uma chatice. Não só a relação entre os personagens principais mas, também, o fato de que o único funcionário do rancho que aparece é o cozinheiro. Onde estão as dezenas de cowboys que um rancho como aquele deveria ter?
Por outro lado, sempre gostei de assistir ao Chaparral. Provavelmente a explicação para esta preferência é que no Chaparral havia mais ação e, principalmente, o rancho tinha mais aspecto de rancho de verdade, com uma porção de cowboys. Além disso, no Chaparral era retratado um permanente conflito com apaches, com várias intervenções da cavalaria.
Enquanto em Bonanza muitas situações são resolvidas na base da conversa, do arrependimento, em Chaparral as situações se resolvem na bala e na pancada.
Um grande diferencial entre as séries é que ao passo em que Bonanza era gravada em estúdios fechados, Chaparral era feita ao ar livre, no Old Tucson Studios, perto da cidade de Tucson, no Arizona. Em 2008 eu estive lá, experimentando gostosas lembranças.
O ponto falho da série é que o local do Chaparral é um deserto, ou seja, impossível para a criação de gado em larga escala, de forma extensiva. Só gado cenográfico...
A maioria das pessoas deve discordar de mim, pois enquanto Chaparral teve apenas 4 temporadas, Bonanza teve 14. Na temporada 1969/1970, por exemplo, Bonanza foi a série número 1 em audiência nos Estados Unidos, enquanto Chaparral era apenas uma das top 20. Em uma entrevista de junho de 1970 Leif Ericksson, o John Canon, declarou que na TV tudo é audiência. Qualidade, crítica, não interessam. Se der audiência, fica no ar, se não der está fora. Boni, em sua recente biografia, declara que a TV é apenas um veículo de publicidade e que seu objetivo é tão somente atrair o maior número possível de telespectadores para ver os anúncios dos produtos dos anunciantes (pelo menos na época dele, Boni, havia alguma preocupação com a qualidade do que ía ao ar).
No Brasil é possível que o ibope de Chaparral tenha sido superior ao de Bonanza, tanto que na década de 1970 a Gulliver (sempre atenta aos sucessos da TV) desistiu de utilizar o nome Ponderosa e passou a utilizar Chaparral para identificar seu brinquedo.
As temporadas do Chaparral foram:
1967/1968;
1968/1969;
1969/1970;
1970/1971.
Imagino que, para os atores, trabalhar em uma série de TV é uma experiência ao mesmo tempo fantástica e deprimente. Sim, porque independentemente do sucesso alcançado a única certeza é que mais cedo ou mais tarde a série chegará ao fim. E com o fim da série a experiência indica que dificilmente os atores conseguem outros papéis importantes, pois sua imagem fica muito marcada com o personagem da série.
O criador e produtor executivo de ambas as séries (Bonanza e Chaparral) foi o mesmo – David Dortort, falecido em 2010. A imagem abaixo é de David no set de gravação do Chaparral, e atrás dele aparece o famoso moinho do rancho:
Segundo o criador, Chaparral foi uma resposta aos críticos de Bonanza. Quando eu li esta informação pensei: “outros pensavam como eu, achavam Bonanza chata e estranhavam o fato de o rancho não ter cowboys”. Mas não era isso – as críticas a Bonanza eram no seguinte sentido – tudo na família Cartwright era muito certinho, as relações muito redondinhas, os filhos respeitavam o pai, etc., ao passo em que nos anos 1960 as famílias estavam começando a mudar radicalmente, os filhos não respeitariam mais os pais, a harmonia no lar seria substituída por conflito e tensão, a autoridade seria permanentemente questionada, etc. Desta forma, Chaparral mostra uma relação muito mais conflituosa entre o pai John Canon e o filho Billy Blue Canon.
Além disso, o casamento de John Canon com Vitória era um casamento de interesse (para evitar conflito com o pai dela, Sebastian Montoya), e o irmão de John, Buck Canon, era beberrão e jogador. Para fechar o time de personagens principais havia Manolito, irmão de Vitória, que morava no Chaparral para garantir que a irmã fosse bem tratada. A relação de Manolito com seu pai também era conflituosa. Também era beberrão e jogador.
A última temporada de Chaparral não teve a participação do personagem Billy Blue Canon. Segundo o produtor, o ator estava ficando velho demais (30 anos) para o personagem. Desta forma, ele deixou o rancho para cuidar da sua vida e em seu lugar entrou Vento (19 anos), filho de Buck Canon com uma índia. Vento era revoltado porque seu pai abandonou sua mãe, e tome mais conflito familiar...
O criador da série declarou que o nome seria Saguaro, ao invés de Chaparral. Só não foi em função da dificuldade dos americanos em pronunciar a palavra Saguaro.
Uma das queridas recordações de infância é a ilustração da caixa do conjunto Chaparral da Gulliver, de autoria de Nelson Reis:
Sempre achei que esta imagem era uma criação do Nelson, com base nos personagens da série. Contudo, dando uma olhada na internet, encontrei a imagem abaixo:
As imagens (a do Nelson e a fotografia) são muito semelhantes, até os personagens que estão ao fundo. A diferença é que no desenho do Nelson aparece Manolito (à esquerda de John), e Buck não aparece.
Comecei a pensar que deveria haver uma outra foto, tirada no mesmo momento da foto acima, mas em ângulo diferente, que teria sido copiada pelo Nelson para fazer o desenho. Fui atrás desta foto e tive que investir algum tempo em pesquisa na internet, mas acabei encontrando. Não encontrei a foto completa, ela está cortada, mas não resta dúvida de que o desenho do Nelson é uma cópia desta fotografia do set:
Estranhamente em 1977 a ilustração da caixa do Chaparral mudou. Deixou de ser a bela ilustração acima, e passou a ser outro tipo de desenho, sem nenhuma relação com os personagens da série. Teria esta mudança decorrido de problema com direito autoral? Infelizmente, só saberemos se um dia alguém da Gulliver desejar nos contar a história. Quando encontrei o Nelson Reis ele não soube me explicar a razão da mudança, apenas fez o que pediram.
Ao que sei a Gulliver produziu 4 versões do Chaparral no Brasil. A cada versão o conjunto ficava menor e mais simples, até o seu fim em 1979.
A primeira versão, no terreno das hipóteses, já que não temos catálogo da época, teria sido feita até 1972.
A segunda versão foi feita entre 1973 e 1974, e a diferença para a primeira seria, basicamente, o moinho, que na versão inicial era de madeira e na segunda versão era de plástico.
A terceira versão foi feita entre 1975 e 1977.
A quarta e última versão foi feita nos anos de 1978 e 1979.
Nas imagens abaixo temos a 1ª versão (apesar de a imagem ser do catálogo 73/74, classificação feita em função do moinho da imagem), a 3ª e a 4ª:
No mundo o que existiu de mais bacana em termos de Chaparral (fora o brinquedo Brasileiro) foi o Gran Chaparral da Espanhola Comansi. A seguir, três imagens do colecionador Miguel Cerrato, mostrando a caixa, o conjunto e os personagens produzidos na década de 1970:
As figuras são, a partir da esquerda, John, Vitória, Buck e Manolito.
Abaixo imagem da minha coleção, mostrando as 5 figuras do conjunto da Comansi: John, Vitória, Blue, Buck e Manolito. Uma pena que a Gulliver não copiou estas figuras para o seu conjunto, preferindo usar as mesmas que já haviam sido copiadas pela Casablanca para a Fazenda Ponderosa.
Tirando as versões Brasileira e Espanhola do conjunto, outra que foi bastante interessante foi o Chaparral da Airfix:
Além dos três sets acima, existiram diversos outros brinquedos com a “marca” Chaparral no mercado internacional. Seguem imagens de alguns:
Os atores:
Leif Ercksson, o John Canon, participou de um episódio de Bonanza fazendo o papel de Deus. David Dortort gostou do que viu, e o contratou para ser John Canon. Leif morreu em 1986.
Cameron Mitchell, o Buck Canon, entrou na série por acaso. Estava num vôo para Madri e sentado atrás dele viajava David Dortort. Durante o vôo Dortort lhe passou um script para colher sua opinião, e ele acabou contratado para trabalhar na série. Cameron morreu em 1994.
Mark Slade, o Billy Blue, foi a segunda escolha para o papel. Ainda está vivo, mas não trabalha mais na indústria de entretenimento.
Henry Darrow, o Manolito, era o ator desejado por Dortort para este papel. Contudo, Darrow não queria mais fazer papel de mexicano, e não foi fácil convencê-lo a aceitar. No roteiro original Manolito seria mau-caráter. Contudo, em função da simpatia do ator, Manolito acabou sendo um bom sujeito. Ele ainda está vivo e atuando.
Linda Cristal, a Vitória, é nascida em Buenos Aires. Ainda está viva, mas aposentada.
Bem, era isto que eu tinha para contar.
Até a próxima,
Marcos Guazzelli
Janeiro de 2012
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